ALGUMAS INFORMAÇÕES SOBRE 59 ANOS DE EXISTÊNCIA
1899, 24/5 Namur
Nascimento numa família burguesa.
Um dos avós de origem alemã.
Ascendência distante espanhola.
1900 a 1906, Bruxelas
Indiferença, inapetência, resistência
Desinteressado
Enfada-se com a vida, os jogos, os divertimentos e a variedade.
Comer repugna-o.
Os odores, os contactos.
A sua medula não fabrica sangue.
O seu sangue não ama loucamente o oxigénio.
Anemia
Sonhos, sem imagens sem palavras, imóvel.
Sonha com a permanência, com a perpetuidade sem mudança. A sua maneira de existir à margem, a sua natureza de grevista assusta ou exaspera.
Enviam-no para o campo.
Envergonhado daquilo que o rodeia, de tudo o que o rodeia, de tudo o que desde que veio ao mundo o rodeou, com vergonha de si mesmo, de ser apenas o que é, desprezo também por si mesmo e por tudo o que conheceu até ao presente.
Continua a ter nojo dos alimentos, enfia-os nos bolsos embrulhados em papel e quando sai enterra-os.
Putte-Grasheide, 1906 a 1910
Lugarejo na campina.
Cinco anos em internato.
Internato pobre, duro, frio
Estudos em flamengo.
Os seus condiscípulos são filhos e filhas de pequenos camponeses.
Secreto.
Reprimido.
Envergonhado daquilo que o rodeia, de tudo o que o rodeia, de tudo o que desde que veio ao mundo o rodeou, com vergonha de si mesmo, de ser apenas o que é, desprezo também por si mesmo e por tudo o que conheceu até ao presente.
Continua a ter nojo dos alimentos, enfia-os nos bolsos embrulhados em papel e quando sai enterra-os.
1911 a 1914, Bruxelas.
Regresso a Bruxelas. Salvo! Prefere então uma realidade a outra. Começam as preferências. Atenção, mais cedo ou mais tarde, a pertença ao mundo far-se-á. Tem doze anos. Combates de formigas no jardim.
Descoberta do dicionário, palavras que não pertencem ainda a frases, não ainda a fazedores de frases, palavras e em quantidade, e das quais cada um poderá servir-se à sua maneira. Estudos com os jesuítas. Com a ajuda de seu pai, interessa-se pelo latim, bela língua, que o separa dos outros, transplanta-o: a sua primeira partida. Também o primeiro esforço contínuo que lhe agrada.
Música, um pouco.
1914 a 1918, Bruxelas.
Cinco anos de ocupação alemã. Primeira composição em francês. Um choque para ele. Tudo o que encontra na sua imaginação! Um choque até para o professor que o empurra para a literatura. Mas livra-se da tentação de escrever, que poderia desviá-lo do essencial. Que essencial? O segredo que desde a primeira infância suspeitava existir algures e do qual aqueles que o rodeiam não estão visivelmente ao corrente. Leituras em todos os sentidos. Leituras de pesquisa para descobrir os seus, dispersos pelo mundo, os seus verdadeiros pais, - para descobrir aqueles que talvez “saibam” (Hello, Ruysbroek, Tolstoi, Dostoievsky). Leituras das vidas de santos, as mais surpreendentes, as mais afastadas do homem médio. Leituras também dos excêntricos, dos extravagantes ou dos “Jovens Bélgica” com a língua bizarra que quereria mais bizarra ainda.
Depois de terminar o liceu, estando a universidade fechada por causa da ocupação, dois anos de leituras, bricolage intelectual.
1919
Prepara o p.c.b.
Não se apresenta a exame.
Abandona a medicina.
Roterdão
Segundo embarque. No ‘O Vitorioso’.
1921, Marselha
Tem de afastar-se do mar.
Regresso à cidade e às detestadas pessoas.
Nojo.
Desespero.
Trabalhos e empregos diversos, medíocres e mediocremente exercidos.
Auge da curva do “falhado”.
1922, Bruxelas.
Leitura de Maldoror. Sobressalto... que em breve despoleta nele a necessidade, há muito tempo esquecida, de escrever.
Primeiras páginas. Franz Hellens depois Paulhan veêm aí qualquer coisa, os outros não vêem nada. Sempre reticente. Não gostará de “ter de “ escrever.
Isso impede de sonhar. Isso fá-lo sair. Prefere ficar enrolado. Bélgica definitivamente abandonada.
1924, Paris
Escreve, mas sempre partilhando.
Não consegue encontrar um pseudónimo que o englobe, a ele, ás suas tendências e ás suas virtualidades. Continua a assinar com o seu nome vulgar, que detesta, que o envergonha, como uma etiqueta que trouxesse a menção “qualidade inferior”. Talvez o guarde por fidelidade ao descontentamento e à insatisfação. Não produzirá pois nunca no orgulho, mas arrastando sempre esse embaraço que se colocará no fim de cada obra, preservando-o assim do sentimento mesmo reduzido de triunfo e de conclusão.
1925
Klee depois Ernst, Chirico... extrema surpresa. Até aqui, odiava a pintura e o próprio acto de pintar, “como se não houvesse já suficiente realidade, dessa abominável realidade, pensava. Ainda querer repeti-la, regressar a ela!”
Empregos diversos. Algum tempo numa casa de edição, ao serviço da fabricação.
1927, Quito
Viagem de um ano ao Equador, com e em casa de GANGOTYENA, poeta habitado pelo génio e a infelicidade.
1929
Morte do seu pai. Dez dias mais tarde, morte da sua mãe.
Viagens pela Turquia, Itália, África do Norte...
Viaja contra.
Para expulsar de si mesmo a pátria, laços de todos os géneros, laços de cultura grega ou romana ou germânica ou de hábitos belgas.
Viagens de expatriação.
A recusa no entanto começa a ceder um pouco ao desejo de assimilação.
Terá muito a aprender. Isso será demorado.
1930-1931, na Ásia
Enfim a sua viagem.
As Índias, o primeiro povo que, em bloco, parece responder ao essencial, que no essencial procura a saciedade, enfim um povo que merece ser distinguido dos outros. A Indonésia, a China, países sobre os quais escreve demasiado depressa, na excitação e na surpresa maravilhada de ser tocado a tal ponto, países sobre os quais seguidamente terá de meditar e ruminar durante anos.
1932
Lisboa – Paris.
1935
Montevideo, B. Aires.
1937
Começa a desenhar mais.
1939
Brasil
1940, Janeiro
Regresso a Paris. Em Julho, êxodo. Santo António. Em seguida Lavandou.
1941-1942
Lavandou com aquela que será em breve sua mulher.
1943
Regresso a Paris. Ocupação alemã.
1945
Enfraquecida pelas restrições alimentares, a sua mulher contrai tuberculose.
Juntos em Cambo. Melhoras.
1947
Quase a cura. Viagens de convalescença e esquecimento dos males no Egipto.
Fevereiro, 1948
Morte da sua mulher como consequência de atrozes queimaduras.
1951-52-53.
Escreve cada vez menos, prefere pintar.
1955
Naturalizado francês.
1956
Primeira experiência de Mescalina.
1957
Parte o pulso direito. Osteoporose. Mão inutilizável.